A história do Transformice e Atelier 801

Confira abaixo nossa tradução completa do post da Melibellule (administradora e dona do Transformice) que foi feito no site Gamasutra. Boa leitura! Tradução: Rodybrazil. Revisão: Joaomanoel.

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Escrito por Melibellule (Melanie Christin) em 27/05/15 às 01:13:00 PM.

Lançado em Maio de 2010 sem nenhum compromisso e por 2 desenvolvedores no seu tempo livre, Transformice é um jogo de plataforma multiplayer que ganhou atenção do público nos seus primódios por meio de fórums como 4chan e SomethingAwful.

Depois de 4 anos e muitas atualizações, o jogo consta agora com 60 milhões de contas criadas.

Como o jogo não está “terminado” e ainda passa por inúmeras atualizações e hoje eu gostaria de compartilhar nossa experiência durante esses 4 anos, do ponto de vista do jogo e, mais do que isso, do lado financeiro. Fazer um jogo já é difícil, mas conseguir dinheiro com ele é ainda mais complicado.

Em 2010, Jean-Baptiste le Marchand e eu estávamos empregados em uma empresa de videogame francesa: ele como desenvolvedor e eu como designer gráfica. Jean-Baptiste já tinha criado por diversão vários pequenos jogos para navegador e pediu a minha ajuda para criar um novo, com gráficos melhores.

Entusiasmada com a sua habilidade de criar uma jogabilidade hilária, eu aceitei e propus a ele um jogo com ratos que precisam se transformar em caixas e madeiras para ajudar os outros ratinhos a passar por buracos e pegar o queijo: Transform-mice. Rapidamente, nós mudamos para um super-rato (o Shaman) que invoca madeiras e caixas, mas o nome Transformice pegou.


Interface do Transformice, 2010

O essencial da jogabilidade era simples: siga o caminho até o queijo, volte para a toca e como shaman, você pode invocar tábuas e madeiras para ajudar todo mundo. Em aproximadamente 3 semanas, nós já tinhamos um modelo do jogo funcionando.

Primeiro protótipo do jogo, 2010

Nós lançamos o jogo no dia 1º de Maio de 2010 (achamos que seria engraçado lançar no Dia do Trabalho) e só compartilhamos a novidade em um único fórum de videogame francês que tínhamos familiaridade, JeuxOnline. Tudo estava correndo muito bem e as pessoas estavam gostando bastante do jogo, mesmo sendo muito simples: não dava para criar contas, não contavam queijos, os ratos marrons eram desenhados muito simples e os pisos tinham uma cor sólida. A física do jogo (Box2D) e o multiplayer em tempo real permitiram situações extremamente engraçadas e o pessoal se viciou rápido. Nós adicionamos a criação de contas e rapidamente colocamos queijo como moeda para que as pessoas pudessem comprar acessórios para seus ratos.

Então, algumas semanas depois do lançamento, nós não sabemos como mas o fórum SomethingAwful nos encontrou. O jogo não estava nem traduzido para inglês, mas os Goons não ligavam e continuavam jogando e gritando “OMELETTE DU FROMAGE” por todo lado. O vídeo mais engraçado da história do Transformice (1M visualizações) foi feito nessa época (Eu realmente recomendo ver o vídeo se você ainda não conhece o jogo, é um resumo perfeito).


Assim que traduzimos o jogo para o inglês, o caos se instaurou. Logo que o SomethingAwful descobriu sobre o jogo, o 4chan (outro fórum) também se juntou e nosso pequeno, único e simples servidor simplesmente não aguentou a demanda. Foi a hora perfeita para a Kotaku, Rock Paper Shotgun, Indiegames.com e PC Gamer escreverem sobre nós e aumentarem ainda mais nossa rede.

O uso do servidor se tornou um problema logo no começo. Nós pagamos por servidores com dinheiro do nosso próprio bolso e não teria nenhum jeito de pagar por uma dúzia deles. Foi por isso que nós adotamos a solução mais rápida e barata: colocamos um Adsense – um banner com publicidade horizontal embaixo do jogo – e abrimos uma conta no Paypal para doações.

O banner de anúncio teve uma performance boa, com uma média de 47€ por dia, permitindo que alugássemos mais servidores. No final de 2010, ele gerou por volta de 11 000€, para uma média de 80 000 visitantes únicos por dia.



O botão de doações arrecadou por volta de 3000€ antes de nós o retirarmos no ano seguinte. A lista de doadores ainda está disponível no nosso site, sendo que a maioria das doações foram dos EUA e da Noruega. Quase nenhuma veio da França, é algo que não está na nossa cultura.

E assim continuou por meses: adicionávamos mais servidores o mais rápido possível e tentávamos lidar com o grande fluxo de jogadores, bugs e novidades. (lembrando que ainda estávamos empregados!)

Nessa época, sabíamos que precisávamos tomar uma decisão: deixar nosso emprego e criar uma empresa para tomar conta do jogo (que já gerava alguma renda) ou matá-lo de uma vez porque nós não tinhamos tempo livre o suficiente para cuidar dele. Como vocês podem ver, nós criamos a empresa.

E foi assim que um ano depois, em Abril de 2011, nós saímos dos nossos empregos e decidimos criar a Atelier801. Estávamos empolgados com as atualizações e eventos sazonais que poderíamos fazer, agora que iriamos nos dedicar 100% ao jogo. A base dos jogadores dobrou, de 150,000 para 300,000 visitantes únicos por dia.

Nós tínhamos uma distribuição de jogadores muito exótica: mais de 50% da nossa audiência vinha do Brasil, depois dos EUA (11%), Turquia (8%), França (7%), América Latina em geral (5%) e Russia (3%). Nos certificamos de traduzir o jogo para o máximo de idiomas possível e não deixar nenhuma comunidade para trás, o que funcionou muito bem com o Brasil e a Turquia.


Apesar desses dois países não serem muito interessante para os anunciantes no momento, o banner de anúncios teve um desempenho muito bom. Ele gerava em média 280€ por dia, com um pico de 1000€ em Outubro e somou 103,000€ em 2011. Para complementar, como a .swf do jogo estava se espalhando rapidamente pela internet, nós adicionamos um rápido anúncio (que você poderia pular instantâneamente), que gerou 150$ por dia, somando 55,000$ em 2011.

Empolgados com esses números, nós fizemos alguns cálculos baseados nos custos dos servidores e salários e percebemos que poderíamos contratar mais uma pessoa para trabalhar no jogo! Nós não exitamos nem por um segundo e recrutamos nossa mais apaixonada moderadora para ser nossa gestora de comunidade, com o intuito de responder os milhares de emails que recebíamos e para lidar com a moderação no jogo.

Mas a festa não durou muito. Tá vendo aquela barra vermelha no gráfico de receita dos anúncios? Foi quando nós fomos banidos do Google Adsense.

Atelier 801, final de 2011

Foi realmente um tiro no peito. Como o Google paga com 60 dias de atraso, a imediata suspensão da nossa conta significou mais de 13,500€ clicks não pagos. Tínhamos 3 salários e em torno de 30 servidores para pagar, sendo que nossa principal fonte de renda simplesmente desapareceu.

Imediatamente tentamos substituir o Adsense por outras agências de anúncios, mas nenhuma tinha nem metade do desempenho da antiga e os números não aumentavam mais. Jean-Baptiste e eu paramos de nos pagar salários por alguns meses para conseguir pagar os servidores e o salário da nossa gestora de comunidade enquanto resolvíamos isso.

A questão é: por que isso aconteceu? De repente o nosso domínio estava na lista negra, sem nenhum aviso, email ou qualquer opção para recorrer. Literalmente, não tem nenhum modo de entrar em contato com qualquer funcionário da Google Adsense: nossa única chance foi um fórum gerenciado por usuários, onde as pessoas entendem tão pouco quanto você sobre o que aconteceu. Um deles até comentou que fomos banimos por causa da nossa página de doações e se recusou a responder qualquer coisa a mais.


Passou o ano novo e achávamos que ter um site em wordpress cheio de conteúdo fosse nos ajudar a sermos desbanidos, mas não tivemos resultado.

Foi uma tremenda sorte que conseguimos sair dessa: um amigo nosso, por acaso, estudou na mesma escola que um dos funcionários da Google e depois de alguns emails nós fomos desbanidos em questão de minutos. Nunca subestime o poder das redes de comunicações…

Foi só então que descobrimos porquê fomos banidos: Os bots do Google detectaram que nosso banner estava a menos de 150px de distância do nosso jogo em Flash, o que era contra as políticas do Adsense (sempre leia as letras miúdas!) e nos baniu automaticamente.
 
Então, nós reinstalamos o banner do Adsense em fevereiro de 2012, mas 150px é uma distância grande e a maioria dos nossos jogadores com computadores de tela pequena nem conseguíam vê-lo. Deixamos ele funcionando por alguns meses, rendendo por volta de 150€ por dia, mas ainda não era o suficiente para pagar nós 3 mais os servidores. Ficamos com um sentimento amargo sobre como a situação se desenrolou, de modo que decidimos não depender mais de propagandas: estávamos preparados para ir pro Free-to-Play.

Levamos um bom tempo para desenvolver com muita precaução, pois era o que iria nos sustentar. Será que os jogadores nos odiariam por pedir dinheiro? Seríamos julgados como mercenários? Os jogadores continuariam a jogar?

Queríamos uma monetização totalmente justa e ética, deixando disponível apenas itens decorativos, com a grande maioria ainda disponível para se adquirir jogando. Deste modo, os jogadores mais viciados não iriam sentir que seus queijos foram coletados à toa. Decidir o preço dos itens foi extremamente difícil, pois não fazíamos ideia do quanto as pessoas pagariam para conseguir itens dentro do nosso pequeno jogo em flash de ratinhos.

Buscamos fazer com que os jogadores aproveitassem o máximo o dinheiro deles: Eu redesenhei completamente todos os itens da loja (por volta de 150-200 na época) no Flash com diferença escalas de cinza, permitindo que os jogadores customizassem todas as cores de todos os itens.
A customização de cada item poderia ser desbloqueada por uma grande quantia de queijos ou uma pequena quantia da moeda paga, os morangos. Nós também escolhemos por volta de 20 itens para serem compráveis com morangos (deixando disponível a compra por queijos também) e implementamos 5 cores diferentes de peles para mudar a cor do corpo do rato inteiro. Como estávamos testando, nós fomos propositalmente em algumas salas mostrando as peles novas e os jogadores estavam MUITO ansiosos para comprá-las.

Com muito receio e depois de seis meses sem um salário digno, nós removemos todos os banners de publicidade e finalmente lançamos um Transformice Free-to-Play em 14 de junho de 2012. E ele foi… até que bem!



Como vocês podem ver pelos gráficos, a resposta dos jogadores foi muito gratificante. Eles estavam empolgados em poder ajudar o jogo que amavam e no primeiro mês tivemos uma renda de mais de 250,000€! Ficamos boquiabertos.

Rapidamente contratamos mais pessoas: 3 desenvolvedores, 3 gerenciadores de comunidade, um chefe das finanças e uma administradora. Com uma média de 3 milhões de jogadores ativos e 40 servidores para cuidar, achamos que seria um time de bom tamanho e nos ajudaria a dormir melhor.

Além disso, nos movemos para um maior e mais caro escritório no final de 2012.

Entre junho e dezembro de 2012, as microtransações geraram 1,068,300€, com uma média de 5,252€ por dia. Toda época de concurso/evento, como mais itens na loja ou cores para comprar, tínhamos um pico nessa curva e a linha vermelha era o nosso ganho mínimo esperado, incluindo as novas contratações. Foi no final de 2012 que nós batemos nosso recorde de mais jogadores online, com mais de 86,000 usuários online.

Meses se passaram e 2013 começou bem devagar no quesito de monetização, beirando o mínimo de lucro necessário para cobrir os custos. Olhando para trás, isso pode ser explicado pelo fato de que nós tivemos um evento de inverno imparável pelo mês inteiro de dezembro de 2012, quando nós demos recompensas para os jogadores diariamente (itens, títulos, queijos e até morangos) de graça. Analisando bem, foi um grande erro da nossa parte, pois os jogadores só podem usar alguns itens por vez e isso comprometeu nossas vendas por vários meses. 


Ficou ainda mais preocupante por volta de outubro de 2013, então nós decidimos reativar o banner de publicidade perto do jogo no nosso site. Decidimos colocar um banner vertical no lado ao invés de um horizontal embaixo e notamos que além de não incomodar os jogadores, ele teve um desempenho muito melhor do que antes (estabilizou em 500€ por dia, em comparação à 150€ por dia no começo de 2012). Isso nos deu um boa renda complementar que permitiu ficarmos acima do lucro mínimo necessário.


Olhando para trás, 18 meses com banners de publicidade rendendo tão mal quanto em 2012 ainda lucraria 100,000€ e foi uma burrice se livrar totalmente deles.

Enquanto isso, o número de jogadores foi caindo lentamente e no término de 2013 houve uma queda de 15% nos nossos usuários ativos.


As coisas não estavam indo muito bem no final de 2013, o evento das férias teve um desempenho quase igual ao do resto do ano e 2014 começou bem magro, com janeiro e fevereiro bem devagar.

Foi neste ponto que nós tomamos uma das nossas maiores decisões: não iríamos mais dar itens de graça durante eventos e somente colocaríamos à venda (por queijo/morangos). Foi graças ao Natal adoidado de 2012 que nós percebemos que estávamos dando tudo que a gente vendia de graça no evento e, apesar de ser muito adorado, colocou nosso futuro em risco.

A decisão não teve um apoio muito bom. Os jogadores reclamaram muito nos forums e com razão: nós demos medalhas e títulos ao invés de itens e eles estavam com a sensação de que não tinham mais nada para alcançar no jogo. Por outro lado, alguns jogadores ficaram felizes porque não queriam jogar o evento todo pra conseguir um simples chapéu, mas a maioria nos acusou de pensarmos apenas em dinheiro.

Isso estabilizou e, lentamente, nossas vendas começaram a aumentar. Nós estávamos acima do ponto de lucro mínimo esperado com muito mais frequência e, apesar de perdermos em número de jogadores, estávamos monetizando melhor.





Ao todo, 2014 gerou 929,025€ em vendas e anúncios e após pagar por todos os custos e taxas, nosso lucro foi de 40,309€.

Em Janeiro de 2015, nós conseguimos publicar o Transformice na Steam e isso acarretou em alguns bons artigos e uma atenção maior da comunidade dos EUA. No lançamento, o jogo teve um pico de 5 333 jogadores online, fazendo dele o 41º mais jogado da Steam. Além disso, nós ficamos na aba de Lançamentos populares da página inicial a semana inteira e o jogo foi baixado 400,000 vezes durante o primeiro mês. Mais de 120,000 novas contas foram criadas pela Steam nesse mês e 38,423 desses jogadores ficaram por mais de uma hora no jogo.

Vale a pena mencionar que durante todos esses anos e antes do lançamento da Steam, a única vez que aparecemos na imprensa foram esses 4 artigos que mencionei anteriormente durante o lançamento do jogo em 2010. Foi tão divulgado boca-a-boca que nós nunca sentimos a necessidade de fazer uma conferência ou falar com ninguém da indústria. Revendo os fatos, nós provavelmente perdemos vários oportunidades só porque estávamos tão ocupados melhorando o jogo que prejudicamos nossa capacidade de construir um estúdio de desenvolvimento de jogos sustentável no longo prazo. Nós nos demitidos dos nossos primeiros trabalhos na indústria e fizemos nosso trabalho num canto, sem olhar e prestar atenção para o que os outros estavam fazendo e isso provavelmente está prejudicando nossas outras produções.

Durante esses 4 anos, nós desenvolvemos 3 outros jogos: Bouboum, Fortoresse e Nekodancer. Os três juntos apresentam 300 000 visitantes únicos por mês e geram uma renda suficiente para pagar seus servidores, mas nós falhamos em promover esses jogos para fora da nossa comunidade de jogadores. E depender do sucesso de um único jogo não é nada menos do que precupante para o futuro de uma empresa.

Na verdade, nós não temos muito do que reclamar: temos uma grande e dedicada base de usuários, um jogo de sucesso e uma fonte relativamente regular de renda, que nos permite continuar com nosso estúdio de 12 pessoas e desenvolver outros jogos. Cabe à nós agora descobrir tudo sobre como fazer a publicidade de um jogo e fazer o melhor uso de todo o potencial que temos.

Para quem está com preguiça de ler, veja o que deu errado e o que deu certo resumidamente!

O que deu certo:

1. Física   
Em 2010, tinha uma mania por jogos em flash baseados em física, sendo o mais popular Fantastic Contraption e com certeza nos influenciou ao criarmos nosso jogo (e fez Brian Fargo nos contactar para vendermos os direitos do Transformice para a InXile, como a Line Rider e a Fantastic Contraption fizeram). Mais tarde, veio Incredibots, QWOP, Crush he Castle… Todos eram muito divertidos para jogar sozinho, mas nenhum teve a sacada de incluir multiplayer.

As pessoas amam mexer com a física por si só, mas é muito mais engraçado em multiplayer. Os jogadores brincam com a física e basicamente nós podemos deixá-los com uma bola de praia que eles ainda iriam se divertir juntos.

Não é tão relevante hoje, visto que as pessoas estão menos impressionadas com tais características nos jogos de navegador, mas o jogo veio num timing perfeito para o gênero.

2. Multiplayer em tempo real 
Se lembrarmos bem, 2010 foi uma ótima época para jogos do Facebook. Num mundo repleto de interações dessincronizadas, um jogo de multiplayer em tempo real que podia ser jogado pelo navegador era uma boa alternativa.

Esse aspecto de multiplayer é raro nos navegadores e com razão: geralmente demanda muitos recursos, tanto para o jogador como para o desenvolvedor. Multiplayer em si é um aspecto complicado para qualquer desenvolvedor independente (indie), mas no fundo vale a pena! Jogar junto com os amigos é realmente a essência do nosso jogo e é por isso que só focamos nesse tipo de jogo.

3. Accessibilidade
Esse ponto é de suma importância pra qualquer desenvolvedor independente que quer atingir uma boa audiência. Por que alguém iria testar o seu jogo se demora muito para carregar e instalar?

Nosso jogo pesava menos de 1MB, dava para ser jogado em todos os sistemas operacionais graças à popularidade do Flash e ao modo “convidado” para aqueles que não queriam criar uma conta para testá-lo. O cadastro é muito fácil: nenhum email é pedido na criação de contas e os jogadores são incentivados a vincular um email recebendo uma pequena quantia de queijos e um acessório como recompensa.

Tudo isso somado fez os jogadores testarem nosso jogo exaustivamente, o que é essencial para os jogos de navegadores ao redor do mundo, onde o jogador raramente presta atenção por mais de alguns minutos. Isso contribuiu de forma estrondosa para a parte viral do nosso sucesso.

Nós percebemos isso depois, mas é mais importante ainda quando se está alcançando países em desenvolvimento: apesar das configurações de hardware deles não chegarem nem perto das que nós estamos acostumados, você não deve deixá-los de fora, pois são os jogadores que você quer englobar! Isso nos leva para o próximo ponto:

4. Localização
Isso faz parte do aspecto de acessibilidade também, mas merece um destaque.

Logo que percebemos que jogadores ingleses estavam jogando nosso pequeno jogo francês, nós o traduzimos para inglês, mas também traduzimos para português, russo, espanhol e turco logo no início. Assim que víamos uma comunidade crescendo, dávamos o melhor para prover o jogo no seu respectivo idioma (até árabe e hebreu) e isso se mostrou ser mais importante do que imaginávamos. 

Geralmente, países em desenvolvimento não têm acesso a muitos jogos interessantes. Ou o jogo não está traduzido para sua língua ou é muito pesado para rodar no seu computador. A maioria dos grande produtores nem busca atingir o mercado desses países porque eles não dão muito lucro, não são muito grandes ou porque a pirataria é muito grande (alô Polônia!)

Isso gera uma IMENSA reserva de jogadores que você pode alcançar. Pequenos riachos criam grandes rios!

Nós simplesmente pedimos ajuda aos nossos jogadores com as traduções e eles ficam mais do que felizes para fazê-las. Financiamento coletivo para traduções é um jeito barato (virtualmente de graça) e com boa qualidade (os jogadores já conhecem seu jogo e irão traduzir de acordo), tanto que até as empresas grandes estão fazendo isso. Exporte um arquivo .csv em uma planilha do Google Drive e você está pronto.

Não importa que alguns países não vão gastar um tostão no nosso jogo (ou porque eles não podem pagar ou porque não tem um sistema de pagamento viável), pois cresce o número de jogadores, que é o parâmetro mais importante para jogos multiplayers E para jogos free-to-play. Quanto mais jogadores, mais engraçado/competitivo o jogo se torna e mais pessoas ele alcança.

Apenas cerca de 30% da população sabe ler inglês e, como o Rami falou, jogos geralmente falham em inclusão.

5. Equipe de duas pessoas    
Isso é uma coisa boa e ruim ao mesmo tempo.

Boa porque, com duas pessoas, a velocidade dos processos aumenta muito rápido: quando você está trabalhando numa equipe maior, você corre o risco de alguém não conseguir acompanhar o seu ritmo e isso acaba atrasando a todos. Tem várias equipes de desenvolvedores independentes que falham nesse quesito: começam com muitas pessoas. É melhor se você puder dar conta de todos os aspectos do desenvolvimento sozinho, mas isso não acontece com muita frequência.

JB e eu somos bem complementares e nós maximizamos nossas competências distintas enquanto minimizamos o número de pessoas envolvidas, permitindo que a gente se desenvolva rapidamente.
A parte ruim disso é que se torna impossível fazer jogos maiores e é muito difícil consertar a montanha de bugs que jogos multiplayers têm, além do gerenciamento de centenas de milhares de jogadores.

Mas no final, foi porque eramos apenas duas pessoas que o Transformice pôde ser lançado em 3 semanas de desenvolvimento.

6. Gráficos
Não querendo ser muito exibida aqui, mas o estilo da arte se tornou uma boa parte do nosso sucesso, na sua própria simplicidade. A escolha de pequenos ratinhos fofinhos contrastado com a crueldade que lhes espera e a visão de uma horda de criaturas adoráveis correndo pela tela gerou muitas risadas. Mesmo que os gráficos sejam simples, eles sempre foram ligeiramente acima da média comparando com jogos em Flash que você encontra em portais de jogos, graças à experiência em Flash no meu antigo trabalho, que as pessoas pareceram gostar muito.

7. Feedback dos jogadores.    
Mesmo que os jogadores continuem falando no nosso fórum que a gente nunca ouve eles, a verdade é que nós os ouvimos muito, desde o começo do desenvolvimento do jogo. Nós levamos em consideração a opinião dos jogadores regularmente ao longo da vida do jogo, como sugestões para novo conteúdo e isso nos permitiu ficar próximos da nossa comunidade, mesmo que a maior parte do tempo tivemos que adaptar todas as ideias para fazê-las encaixar corretamente no design do nosso jogo.

Nós damos o nosso melhor para ouvir o que eles querem, mas não queremos exatamente como eles querem, pois geralmente nem mesmo eles sabem exatamente o que querem.

O que deu errado:

1. Equipe de duas pessoas 
Quando nós começamos a desenvolver o Transformice, não pensamos muito nas consequências. Nós queríamos fazer um pequeno e divertido jogo no nosso tempo livre, sem perceber realmente o que estava vindo para nós: Quem pensaria em fazer um MMO de milhões de jogadores quando se tem apenas duas pessoas? Nós perdemos muitas oportunidade porque não conseguimos acompanhar o boom inicial. Milhares de jogadores tentaram jogar o jogo nos primeiros meses e não conseguiram, pois não tínhamos um servidores em escala apropriada. Quanto mais jogadores você tiver, maiores serão as expectativas e com apenas um desenvolvedor e uma designer gráfica, era impossível estar em dia com a correção de bugs, criação de novas funcionalidades e ainda acompanhar o lado dos negócios.

2. Leia as letras miúdas
Olhando para trás, o banimento do Adsense se transformou em uma coisa boa, mas no momento certamente não era e nos deu muita dor de cabeça. Antes de tudo, nós fomos descuidados em como gerávamos dinheiro e quando seu modelo econômico depende de apenas uma fonte de renda, é melhor que você saiba exatamente o que está fazendo.

Nunca faça nada escondido e ache que vá se safar facilmente, pois é o melhor jeito de tomar riscos e acabar estragando tudo e o karma certamente vai te lembrar disso.

3. Contratando muito rápido
Quando as microtransações decolaram, nós estávamos tão aliviados que poderíamos finalmente montar uma equipe com certos padrões que não prestamos muita atenção para as contratações que deveríamos fazer. Nós crescemos de 3 para 10 pessoas em um intervalo de menos de 8 meses e não estávamos preparados para isso. Alguns erros foram cometidos, algumas tensões surgiram e de repente o gerenciamento dos empregados se tornou importantíssimo sem que nós dois percebêssemos isso. Sempre tentamos prover as melhores condições de trabalho, mas não houve uma gestão do projeto e cada um dependia de coisas para fazer por conta própria e sem ter metas adequadas. Isso é algo que estávamos nos tornando melhor ultimamente, mas levou um bom tempo para percebemos o quão importante era.

4. Não prestamos atenção para dispositivos móveis 
Durante esses 4 anos, nós nem sonhamos com uma versão mobile do Transformice. Vamos lá, é Flash: um pesado demandante de processos e você precisa de um teclado e um mouse para jogar adequadamente. Como você poderia emular algo minimamente parecido com isso em dispositivos móveis? Estávamos muito ocupados atualizando a versão para PC de qualquer jeito.

Como não temos números nem experiências para apoiar essa opinião, provavelmente deveríamos ter levado mais a sério há um tempo atrás. Quando tentamos adentrar o mundo do mobile, fizemos uma versão de corrida no universo do Transformice e muitas pessoas ficaram desapontadas porque não era o jogo real, mesmo que não fosse tão confortável como para computador.

Finalmente nós colocamos a cabeça nisso há alguns meses e tentamos montar uma pequena versão usando Adobe AIR, que para nossa grande surpresa, se mostrou funcionar sem problemas nos aparelhos Android (e totalmente inutilizável para iOS). Iremos trabalhar um pouco mais nesse aspecto e lançar oficialmente daqui alguns meses.

5. Monetização: não tínhamos a menor ideia do que estávamos fazendo    
Quando decidimos ir para o Free-to-Play, novamente não prestamos muita atenção no que os outros estúdios estavam fazendo ao nosso redor. Nas nossas cabeças, você só poderia ser F2P de dois jeitos: o justo, como o League Of Legends e o terrível jeito Zynga/King. Estávamos tão preocupados que os jogadores iriam nos odiar, que fomos os mais honestos possíveis e isso significou menosprezar nossos produtos.

Uma vez que eles estão definidos, é sempre mais fácil diminuir o preço, mas você nunca pode aumentá-los e nós aprendemos isso do jeito mais difícil. Não fizemos nossa lição de casa e não tínhamos a menor ideia sobre ARPPU, custos de lucro mínimo (break-even point), planos de negócios ou projeções para o futuro.

Um conselho muito importante para mim foi dado pelo incrível Nicholas Lovell: ele pediu para nós levantarmos nossas mãos e só colocarmos para baixo quando não estivéssemos confortáveis com a quantidade de dinheiro que os jogadores poderiam gastar no nosso jogo. Ele começou a contar, 1$, 5$, 10$, 100$, etc. A maioria das mãos estavam abaixadas nos 500$ e ele simplesmente nos disse “não há uma resposta certa para isso, a não ser que você não deveria ter abaixado sua mão. Se os jogadores quiserem gastar tudo isso no seu jogo, você precisa permitir que eles o façam.” E ele estava certo. Nós eramos péssimos em decidir o preço dos nossos itens porque os precificávamos de acordo com o tempo que nos custou para desenvolver e não para o quão valioso ele seria para os nossos jogadores. No lançamento das microtransações no Transformice e por um longo período depois disso, você conseguia comprar tudo que havia gastando 20-30$. Nós não permitimos nossos “superfãs” (ou “baleias”) se destacar da multidão e não poderíamos reajustar os preços. Nós só corrigimos um pouco isso adicionando mais atualizações e conteúdos para que as pessoas pudessem gastar uma quantia justa de dinheiro, mas ainda não temos um mecanismo destruidor de dinheiro para fazer os superfãs se destacarem da multidão.

Apesar de estarmos gratos pelo modelo F2P e totalmente cientes de que o Transformice não poderia ser monetizado de outra forma, estamos um pouco frustrados com o modelo, pois é MUITO trabalho para uma pequena equipe independente e nunca termina. Queremos explorar novos métodos de monetização no futuro e iremos até voltar ao modelo premium para o nosso próximo jogo Dead Maze.

Conclusão

Com certeza o Transformice foi uma grande viagem para nós – e ainda é. Aprendemos diversas lições dele porque começamos tanto de rascunhos que se tornou bem complicado algumas vezes e provavelmente perdemos inúmeras oportunidade devido à nossa falta de experiência, mas de modo geral, somos extremamente sortudos por termos vivido essa aventura. Acreditamos firmemente que sorte é um fator importante para o desenvolvimento de jogos, mesmo que isso signifique ter o produto certo na hora certa.

Nós ainda estamos trabalhando no Transformice, mas também desenvolvendo outros jogos completamente diferentes, para não sermos um estúdio de um jogo só e nos tornarmos uma companhia estável no longo-prazo. Esperamos que todos os nossos erros no passado sejam úteis para esse propósito.

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